Crônica por: Luis Cosme*
Fotos: André Zuccolo, Julia Mente e Gil Silva
Em sentido oposto, 3 milhões de cidadãos viajam todo dia nos coletivos que cortam a maior cidade do país. Como quem vai costuma voltar, são 6 milhões de viagens por dia.
Os 3 reais e oitenta centavos de cada passagem, mais o dinheiro que a prefeitura repassa às empresas – o chamado subsídio – não são suficientes para tirar o sistema do vermelho, é o que se acostumou a ouvir.
Mas o prefeito-gestor já decidiu quem vai pagar a conta: os 20 mil cobradores. Se mais de 90 por cento das passagens são pagas com bilhete único, para que manter essa função? A profissão inútil acabaria de vez até 2020. Uma decisão da justiça paulista já permite a demissão em massa.
João Doria não anda de ônibus.
Se andasse saberia que milhares de passageiros precisam da ajuda dos cobradores para descer no ponto certo, para se informar se a rua tal fica antes ou depois do ponto, qual o itinerário da linha? Qual o horário do próximo?
Ok, tem aplicativo. Mas não é pra todos.
É também o cobrador que recebe os pagamentos em dinheiro – poucos, é verdade – e ajuda o motorista, por exemplo quando o veículo tem algum defeito – e aí não são poucos.
Na parada final, motorista e cobrador se revezam, enquanto um bebe um café no boteco da esquina ou vai ao banheiro o outro toma conta do veículo.
Nos horários de pico, com lotação máxima, muitos passageiros não conseguem chegar até a porta traseira, por isso entram e saem pela frente. Quem pega o bilhete único, passa no leitor eletrônico e gira a catraca é o cobrador. Sem isso, muitas viagens deixariam de ser pagas.
João Doria não anda de ônibus.
Mas o prefeito, que foi presidente da Embratur, no governo Sarney da Velha República, sabe que São Paulo é uma das cidades mais visitadas do Brasil e que turista não costuma ter bilhete único. Quando quer circular pela cidade de ônibus, o visitante paga a passagem em dinheiro ao cobrador.
Doria garante que a polêmica é exagero da imprensa e do sindicato, os cobradores vão apenas mudar de função, farão cursos para se tornar borracheiros, despachantes ou motoristas.
Mas talvez o maior problema do prefeito que não anda de ônibus é que ele não vai conhecer a Zenaide.
Desde que veio de Quixadá, no sertão do Ceará, ela faz 4 viagens ida e volta do centro a Santo Amaro. 8 horas de trabalho. A cobradora me pergunta: se o trabalhador vai ficar na mesma empresa porque não manter a profissão? Pra que tanto borracheiro?
Não tenho resposta.
O salário de 1500 reais por mês, paga as contas e o mais importante, com esse dinheiro, Cosme e Damião, os dois filhos gêmeos, comem, se vestem, compram games e estudam. Zenaide tem orgulho do que faz.
Quando o ônibus lota, a voz firme e pausada se impõe.
-Um passinho à frente, por favor.
-Esse é o segundo ponto da Consolação, gente. É o acesso para linha Amarela do Metrô e Avenida Paulista.
-Quem não descer agora por favor libere a porta. Essa é a última parada da avenida Rebouças. Bairro de Pinheiros.
Quando a lotação diminui permite o trabalho do ambulante que vende amendoim e chocolate Suflair. “Um é 2 e três é 5”.
Depois, Zenaide avisa ao despachante pelo celular o provável horário de chegada ao ponto final.
Craque no troco, Zenaide fez a conta de cabeça:
– Se são 20 mil cobradores e cada um tiver uma família de quatro pessoas, a decisão do prefeito vai prejudicar diretamente 100 mil cidadãos. É mais gente que a população da minha Quixadá. Fala sério, não estamos em recessão?
Zenaide argumenta mais:
-E o motorista vai dar o troco, informar o passageiro e dirigir ao mesmo tempo? Isso não vai atrasar a viagem de milhões de pessoas? Travar mais o trânsito?
Mais uma vez não tenho resposta.
Como tantos administradores públicos, Doria acredita que os problemas de nossas cidades se resolvem com dinheiro, com corte na folha de pagamento.
É verdade que quase todos os prefeitos de São Paulo também quiseram acabar com os cobradores.
Como Doria, eles não andavam e não andam de ônibus.
Sugiro ao nosso prefeito, que tanto repete o slogan “Acelera São Paulo”, que dê folga ao motorista ou ao piloto do helicóptero e vá trabalhar de ônibus. É uma chance de conhecer o trabalho dos cobradores e o desafio dos passageiros. Por falta de opção, economia ou consciência ambiental, esses cidadãos ajudam São Paulo a ter o trânsito menos congestionado, as ruas menos barulhentas, o ar menos poluído.
Ninguém melhor que eles para dizer: ainda tem lugar para o cobrador no transporte coletivo da nossa cidade?